Acordei esta manhã com um suor que eu não entendia da onde havia saído. Não estava calor, estava um clima agradável. Não deixei que isso me abalasse e levantei antes do despertador tocar. Fui para o banho e me arrumei de um jeito simples e confortável.
Desci e já deixei o café da manhã pronto, para que minha mãe não tivesse preocupação de fazer isso. Deixei um bilhete dizendo “sai mais cedo hoje, vou caminhando até a escola, então deixei esse café para você. Bom apetite, minha linda!”
Peguei minha mochila e saí. Antes de começar minha caminhada, parei em frente à casa de Zack, então tentei usar minha audição do jeito que Megan havia me ensinado. Ouvi Zack dormindo, insatisfeita, decido tornar o dia dele mais difícil, então escalei até seu telhado — sem dificuldade alguma, o que era surpreendente — e vi que a janela estava aberta, então passei por ela.
Larguei minha mochila num canto e mais perversa possível comecei a saltar na cama de Zack.
Ele sobressaltou com um susto enorme. Comecei a gargalhar e ele me jogou uma almofada.
— Você tá ficando louca?
— Anda, levanta, vamos para a escola.
— Ta cedo, por que não volta para sua casa e dorme?
— Porque eu vou andando hoje e você vai comigo. — Dou um sorriso animado.
Ele tampa a cara e franze a testa para mim. Então levanta e vai para o banheiro.
Fico observando seu quarto, é um quarto simples, arrumado — mais que o meu —, então deito e cochilo enquanto ele não sai do banheiro.
— Freya? — Ouço uma voz feminina.
Ao abrir meus olhos enxergo Megan, pela expressão percebo que ela esta pensando em coisas erradas.
— Ah, oi, Megan. Não, eu não dormi aqui, eu vim encher o saco do seu irmão para ele ir a escola comigo.
— Huum.. — Ela dá uma gargalhada. — Como ele não te matou? Deve gostar muito de você mesmo. Ele odeia que façam isso.
Ele sai do banheiro enrolado numa toalha.
— Bom dia para você também, maninha. Desacostumada a ver uma gatinha na minha cama, não?
Sinto meu rosto queimar e tampo meus olhos.
— Vai vestir uma roupa, estamos nos atrasando por sua culpa. Você não vai casar, só vai até a escola comigo.
Megan e eu descemos para deixar que ele se arrume, ela me oferece algo para comer, mas recuso dizendo que já me alimentei essa manhã. Ele desce então saímos e caminhamos até a escola.
— Já que fez o favor de me acordar de um jeito animado hoje, eu vou ficar na sua cola. Afinal, hoje teremos uma noite bem agitada, quero me certificar de que você não faça nenhuma besteira até lá.
— Como quiser, senhor.
☆
Zack não estava blefando quando disse que ficaria na minha cola o dia inteiro e foi bom ele ter feito isto, pois foi muito difícil para mim. Todas as vezes que o sinal tocava eu sentia uma dor incessante, tanta que eu precisava pressionar minhas mãos contra os ouvidos, ele sempre me puxava para o mais longe possível do sinal. Ele cuidou de mim o dia inteiro e só se separava quando eu precisava ir ao banheiro. Embora eu não gostasse e ainda sentisse raiva pelo o que ele fez comigo, eu gostava de ver sua importância comigo, ele se sentia culpado, queria cuidar de mim a qualquer custo, tentava me mostrar de todas as formas, que mesmo que eu não tivesse tido escolha, quando eu aprendesse a controlar e lidar com tudo isso, eu gostaria do dom que me foi dado. Sim, ele chamava isso de dom.
☆
Fim da aula por hoje e ele me levou direto para o lugar seguro que arrumara no dia anterior. Megan já havia se encarregado de conversar com minha mãe sobre onde eu passaria essa noite, inventou uma espécie de festa do pijama.
Zack me levara para uma linda casa, este lugar para o qual me mudei, era lindo por todas as suas extensões, era uma pena que eu ainda não tenha tido tempo o suficiente para aproveitar e conhecer outras partes.
Ficamos um bom tempo esperando o momento da lua cheia, mas Megan chegou logo depois e já me alertou que mesmo antes da lua, eu começaria a sentir coisas ruins, coisas que fariam eu mostrar meu lado mais feroz e agressivo.
— Como conseguiu essa casa? Ela também é de vocês?
— Não. — Disse Zack. — É de uma amiga da família, ela tem um lugar próprio para pessoas que estão no início da transformação. Quando eu e Megan crescemos e começamos a ter reações e dificuldades, ela nos abrigou aqui.
— Ela é como vocês?
— Ela é como nós, Freya. — Megan disse me olhando fixamente.
Fiz um esforço para não fazer biquinho ou cara feia, mas ela tinha razão, eu deveria me incluir nisso agora, afinal de contas, mesmo que eu não tivesse pedido por isso, eu agora era uma loba.
Comecei a suar e sentir uma adrenalina subir.
— Zack. — Disse um pouco grogue.
Tentei me levantar, mas falhei e por pouco cai, mas Zack me segurou. Escutei ele dizer com uma voz preocupada:
— Megan, precisamos descer, agora! Está acontecendo.
Tive tempo de lançar um olhar para a janela que estava atrás de mim e através dela pude ver, a lua cheia aparecendo.
Zack e Megan desceram comigo, até mesmo o subterrâneo era bonito, visualizei marcas de garras, alguns cômodos quebrados, mas não conseguia me assustar com isso agora, meu sangue fervilhava.
— Megan, me ajude a acorrenta-la.
No chão ele jogou uma bolsa, onde pude ouvir claramente o som das correntes, então ele e Megan começaram a me envolver sobre estas correntes e prenderam em lugares fortes. Eu não conseguia imaginar com qual força eu ficaria quando começasse a transformação, então não os impedi de me prender.
Comecei a sentir dores agonizantes e em um segundo senti ossos quebrando e com eles soltei um grito. Quando os ossos pararam de quebrar, eu já estava fraca, chorando e pensei que tivesse acabado por ali. Mas então senti minhas presas se formando e minhas garras aparecendo. Olhei para Zack e tudo o que eu conseguia sentir era raiva, vontade de acabar com a vida dele por tudo isso que ele me fez passar.
— A culpa é sua! — E com essas palavras tentei ataca-lo, mas as correntes me impediram, então comecei a insistir e isso foi me deixando mais agressiva, porque eu queria muito partir para cima dele.
— Precisa se acalmar. — Zack disse.
— Eu vou te matar! — Tentei mais uma vez alcançá-lo e falhei. Comecei a arranhar o chão, as paredes e fiquei bem mais agressiva do que um dia pude imaginar.
Meus ossos voltaram a se quebrar e mais uma vez eu soltei gritos e choros. Isso doía tanto.
— Faz parar, por favor.
Zack me olhava com o que parecia ser pena e então me disse:
— Precisa aguentar, Freya. Isso faz parte da sua transformação. Um dia aprenderá a controlar. Tenta se acalmar, está bem?
— Como eu vou me acalmar? Meus ossos estão quebrando, como isso é possível? Isso não é normal.
— É normal agora, Freya, é normal para nós. — Disse Megan com determinação. — Precisa se acalmar imediatamente, isso fará com que os ossos parem de se quebrar. Com sua agressividade florescendo, você acaba ativando sua forma de loba, seu corpo quer ir para a forma animal e é por isso que seus ossos estão se quebrando. Então a chave para isso é, se acalme.
— Não sei como me acalmar. — E ouvimos mais um estalo de meus ossos se quebrando.
— Freya, olha para mim. — Zack tentou chamar minha atenção, mas eu chorava tanto, não queria levantar minha cabeça.
Então ele pôs a mão no meu rosto e quando levantei meu olhar, seus olhos estavam vermelho.
— Zack? Seus olhos...
— Eu sei. Se concentra em mim.
Então ele acariciou meu rosto e eu deixei que fizesse isso. Por mais raiva que eu sentisse dele no momento, eu gostava dele, havia um sentimento aceso dentro de mim e na maioria das vezes era difícil ignorá-lo.
Ele chegou para perto e se juntou a mim, passou a madrugada inteira abraçado comigo, me acariciando, para me manter calma. Eu sabia que a transformação poderia acontecer a qualquer momento, pois eu ainda suava frio e meus olhos de vez em quando se acendiam, mas estava segura ali com ele, ele estava me dando apoio, tentara me acalmar para que meus ossos parassem de quebrar.
Megan nos deixou sozinhos o restante da noite, provavelmente porque viu que o irmão conseguiria me manter em controle.