Ele pegou as sacolas e saímos para a calçada movimentada.
- Aonde vamos agora, Satini? – ele perguntou, esquecendo o “Alteza” ou “Princesa” rotineiros.
Encarei-o e disse:
- Eu gostaria de tomar um sorvete. Sabe que eu nunca tomei um sorvete na rua?
- Podemos ir... – ele concordou.
- Não! – cortei o restante da sua fala. – Eu disse que gostaria, mas não com você ao meu lado, Alexander. Confesso que você conseguiu estragar a primeira parte do passeio. Mas eu não vou desistir. Temos a noite... E eu espero que você esteja um pouco mais animado, afinal, está ganhando para me acompanhar, não é mesmo?
Dizendo isso eu voltei para o carro, com Mia ao meu lado. Ela não falou nada e eu entendia muito bem o motivo: ela amava a nós dois por isso não podia intervir e nem escolher um lado.
Sentei no banco de trás e enquanto ele dirigia, fiquei atenta a tudo à minha volta. Sim, tinha muita coisa para eu conhecer ainda... Mas não era Alexander que me mostraria. Eu o tiraria do meu caminho em breve. Embora eu tenha saído raríssimas vezes por Avalon, eu não era burra. Pelo contrário, eu era muito inteligente e sabia muito bem o que queria. E nada nem ninguém atrapalharia minha tão sonhada liberdade provisória.
Fiquei em silêncio até voltarmos para o castelo. Alexander não entrou no portão principal. Percebi que ele deu a volta por uma ruela lateral, que eu não conhecia. Havia mais guardas do que eu podia contar em todos os lados.
- Por que tantos guardas? – perguntei curiosa.
- Segurança.
- Mas... Nunca aconteceu nada. Por que uma segurança tão reforçada? Somos um reino tão pequeno... Os rebeldes nunca conseguiram entrar no castelo.
- Por causa do grande número de guardas. Acha mesmo que eles nunca tentaram?
- Tentaram? – questionei, o olhando pelo retrovisor.
- Sim. – ele respondeu enquanto seus olhos azuis desviavam a atenção da estrada.
- Quantas vezes?
- Inúmeras.
- Por que eu nunca soube?
- Porque talvez seu pai ache que não é do seu interesse esse assunto.
- Mas é... Sou a futura rainha de Avalon e preciso saber o que se passa.
- Deve dizer isso a ele, Satini e não a mim.
Aquilo me deixou curiosa e apreensiva. Havia tantas coisas que meu pai escondia de mim. Em 17 anos que vivia com ele no castelo, mal nos víamos, a não ser nos domingos, que provavelmente ele estipulou como um compromisso de negócios almoçar com a filha.
Mas meu pai não podia me impedir de saber sobre Avalon, muito menos sobre as coisas importantes que aconteciam ali. Mais cedo ou mais tarde a coroa estaria na minha cabeça e eu seria a líder política daquele país e referência para todas as pessoas. Eu sabia que meu pai adorava ser o rei. Parecia que ele nasceu para exercer aquele papel. Embora eu não o achasse um rei tão autoritário e sim conservador e ponderado, sempre em busca de alianças políticas. Mas ele não seria o soberano para sempre. E eu não queria assumir o trono sem saber absolutamente nada sobre o lugar que eu governaria. Sabia também a importância do meu papel como primeira rainha de Avalon. Todos sabiam o quanto minha tia, Emy Beaumont, queria ser rainha e se preparou a vida toda para isso, não assumindo. Infelizmente sua saúde não quis que ela fizesse seu papel. Então eu, Satini Beaumont, seria a primeira mulher a comandar Avalon. E eu tinha um enorme orgulho disto. Eu não fugiria do meu destino... Nunca.
- Satini?
Olhei para Alexander, estendendo a mão para mim com a porta do carro aberta. Estava tão compenetrada em meus pensamentos que não me dei conta que havíamos chegado. Fingi não ver a mão dele e saí pisando firme. Ele foi levando as sacolas. Entramos pelos fundos do castelo e Mia ficou no térreo, não sei exatamente por qual motivo. Ele me acompanhou pelos dois níveis de escada até chegarmos aos meus aposentos no terceiro andar.
Assim que chegamos na porta eu peguei a sacola das mãos dele e estava entrando quando ele puxou meu braço:
- Me desculpe por tudo.
Encarei-o e disse:
- Largue o meu braço, Alexander. Não lhe dei esta intimidade. Não somos família, esqueceu? Você é simplesmente meu empregado e eu exijo respeito da sua parte.
Ele ficou confuso e eu fechei a porta, o deixando para o lado de fora. Eu não tinha tempo para pensar em Alexander. Em breve eu conheceria uma casa noturna em Avalon. Eu poderia dançar, ver tantas pessoas, esbarrar em homens bonitos... E feios também. Beber álcool... Alexander me deixaria beber? Eu esperava que sim, ou teríamos problemas ainda maiores. Por que meu pai foi destinar a ele aquele cargo? Eu bem sabia... Stepjan Beaumont jamais me deixaria nas mãos de qualquer um. Então ele só confiava em Alexander. E ele contaria qualquer coisa errada que eu fizesse ao meu pai e eu correria o risco de perder a liberdade provisória.
Deitei na cama e suspirei. Nem tudo poderia ser perfeito, não é mesmo? Eu era livre, mas teria Alexander no meu pé por todo o tempo.
Acabei adormecendo enquanto pensava. Quando despertei minhas cortinas voavam com o vento quente que vinha da janela. Fui até lá e vi a noite linda e quente que me esperava. Isso significava que os deuses do amor, da liberdade e da luxúria estavam do meu lado.
Tomei outro banho e vesti a calça jeans e a camiseta que comprei anteriormente na loja de departamentos. O que eu deveria colocar nos pés? Tênis? Não ficaria muito informal para a balada?
Enquanto eu pensava, Mia chegou para me salvar, como sempre. Ela me olhou:
- Ficou... Diferente. Nem parece você.
Eu ri:
- Este é o objetivo. O que uso nos pés?
- Um scarpin ficaria perfeito, princesa, para quebrar o esportivo da roupa.
- Tudo bem...
Fui até o closet e peguei um par amarelo lindíssimo que havia sido trazido de Paris especialmente para mim, feito por um designer de sapatos muito renomado. Mia tirou da minha mão e guardou novamente:
- Nem pensar... Chama muito a atenção e é caríssimo. Levantaria comentários e não é isso que queremos, não é mesmo? Nem a Cinderela tinha um sapato destes.
Olhei-a confusa enquanto ela pegou um par simples, preto envernizado. Era caro também, mas realmente não chamava a atenção. E não foi feito especialmente para mim... Mas era confortável.
Mia vestia uma calça jeans escura e parecendo elástica. Puxei e sem querer belisquei a perna dela.
- Ai... – ela reclamou.
- Sua calça não é tão dura. – observei.
Ela riu:
- Satini, qual sua cisma com os jeans? Pode usar outra coisa.
- Não... Vou usar esta calça.
- Posso maquiá-la e penteá-la?
- Sim. – falei enquanto sentava na penteadeira.
Mia não usou muita maquiagem. Ficou discreta. E meus cabelos ficaram soltos e com um pouco de volume feito com o auxílio do babyliss.
- Preparada, Satini Beaumont?
Suspirei e confirmei:
- Sim. E estou feliz que você vai estar ao meu lado, Mia.
Ela me abraçou:
- Eu sempre vou estar ao seu lado.
- Quero que saiba que jamais considerei você uma serviçal para mim. E espero que de alguma forma você entenda isso.
- Amo você como se fosse minha irmã, Satini. Não se importe com as coisas que Alexander diz. Talvez ele não tenha gostado de ter sido chamado por sua causa. Ele gostava de estar nos Estados Unidos.
- Neste caso, sinto muito, mas não tenho o que fazer para ajudá-lo. Em cinco meses ele estará livre de mim.
- Você fala como se fosse morrer.
- Não vou morrer. Mas vou casar e ir embora, o que é quase a mesma coisa que morrer. Quando acha que meu pai me trará de volta? Somente quando ele morrer? Bem sabemos o quanto ele se importa comigo. – ironizei. – Me chamar para eu assumir o trono sem eu saber nada sobre Avalon será bem complicado.
- A não ser... Que ele tenha planos que não inclua você. – ela disse.
- Como assim?
- Deixa pra lá.
- Mia, fale... Por favor.
- Eu não sei, Alteza. É tão estranho seu pai querer que você parta assim, sem ter sequer falado sobre isso antes. Sem lhe dar a chance de tentar impedir isso. Parece que ele a quer longe... É o que penso algumas vezes.
- Eu não gostaria de concordar com você... Mas já pensei nesta possibilidade também.
Alguém bateu na porta firmemente. Eu já sabia que era Alexander. Quando abri ele me olhou dos pés a cabeça e disse ironicamente:
- Acho que vocês duas não sabem muito sobre o que vestir para balada. Mas vamos lá...
- Poderia ter nos orientado, já que sabia. – disse Mia.
- Talvez o objetivo dele seja justamente sermos motivo de piada. – observei.
- Você sempre pensa o pior de mim. – ele disse andando e nos dando as costas.
O seguimos pelo enorme e extenso corredor que não se acabava nunca. Eu estava muito ansiosa.
- Vamos no mesmo carro de antes? – perguntei.
- Sim. – ele observou. – Aquele será nosso companheiro de aventuras.
Enquanto passava por um dos corredores do térreo, um dos guardas piscou para mim e eu correspondi. Será que eu já havia dado um beijo nele pelos arredores do castelo?
- Agora você flerta com os guardas? – perguntou Alexander.
- Você tem olhos nas costas? – revidei.
- Por que acha que seu pai destinou a mim sua segurança?
- Não sei, Alexander. E sinceramente, não quero saber.
Observei-o enquanto ele caminhava dentro do jeans apertado. Usava uma camisa preta, no mesmo tom da calça e um sapato esportivo. Seus cabelos estavam mais lisos que quando o vi anteriormente. E ele usava um perfume masculino que me irritava porque havia sido colocado em excesso. Ele estava bonito. Eu torci para que ele encontrasse alguma garota na balada e se interessasse por ela, me deixando em paz.
Entramos no carro e ele dirigiu até a casa noturna no centro de Avalon. Quando passamos pelo local, vi uma fila se formando na entrada. O local era enorme e tinha coqueiros bonitos na frente. Chamava-se Avalon Club.
- As pessoas esperam na fila para entrar? – perguntei curiosa.
- Quando os lugares são bons, geralmente fazem fila. E você não terá privilégios, princesa.
- Eu não quero, Alexander. Sei muito bem que aqui fora eu não sou a princesa. Sou só uma garota normal, à procura de diversão... Ou eu poderia dizer sexo, drogas e rock’n roll.
Ele me encarou no retrovisor:
- Você só pode estar louca.
Eu dei uma gargalhada e Mia riu também. Então ele riu, achando que era brincadeira. Fiquei séria. Eu não estava brincando.
Ele deu a volta com o carro e estacionou no subsolo da casa noturna.