Existem duas coisas que sempre me impediram de ser cem por cento sincera em tudo. A paixão, e a vergonha. Eu queria ser sincera com Azazel, mas o medo de que ele disse da minha tentativa frustrada de paixão, era maior. Afinal, quem em sã consciência, se apaixonaria por alguém como ele? Alguém que havia conhecido a o que? Dois meses. Certo, era mais do que isso, mas os meses em que eu havia passado sem ver nenhum deles, não contavam. Mas um estalo ecoou em minha mente, e em meio a esses pensamentos, me dei conta de uma pequena parte que não se encaixava no relato.
— Como você resistiu mais tempo do que ele, se a motivação de ambos era a mesma? E por quê sua motivação não era Azazel?
Theliel sorriu de lado. E pareceu tão jovem com aquele simples ato, que quase me esqueci de que ele não era mais novo do que eu.
— Eu soube no momento em que vi a reação do meu irmão com meu banimento, que ele mergulharia em um mar de escuridão. Eu já sabia que não passaria, como poderia? Não frequentei a escola antes dos dezoito anos, e mal sabia me comportar direito quando Azazel passou. Mas ele? Era um prodígio. Inteligente e com um porte físico perfeito, isso além da beleza, porque não pense que eles não selecionam por isso também.
Theliel olhou para o lado, no exato momento em que uma brisa salgada nos atingiu. O vento balançou seus fios loiros quase dourados, e nesse momento eu quase acreditei... nEle. No vento em quem meu pai tinha tanta fé. Mas eu não podia acreditar em algo que não entendia, podia? Nuvens espessas começaram a se formar ao redor do sol, e foi quase como se a narrativa de Theliel mudasse o rumo do tempo.
— Eu sabia que se saísse daquele lugar, não teria restado nada do meu irmão. Mas quando Abbadon me contou sobre você, quando me contou sobre Ariel e tudo o que ele não pode fazer por você... aquilo se tornou minha missão também. Proteger você. Seu irmão resistiu bem até... a primeira tortura. Eu já estava acostumado, mas algo dentro daquela sala escura, tirou toda a vida de seus olhos. Ele escureceu . E nem a notícia de que conseguiríamos fugir o trouxe de volta.
Olhei fixamente para um ponto no tecido de sua camisa, um ponto onde eu sabia que havia um lobo manchado de sangue abaixo.
— Eu aprendia a amar você Sophia, antes mesmo de te conhecer. Sonhei com você, pensei sobre você, e criei imagens suas na cabeça enquanto Abbadon me contava histórias. Foi a única coisa que me manteve vivo... imaginar te encontrar.
Nervosa, sem saber o que dizer, pude sentir minhas bochechas corarem de uma vez. Escondi o rosto com os fios curtos ao olhar para baixo.
— Me deixe adivinhar... você se decepcionou.
Ele sorriu de novo. E aquilo pareceu tão natural, tão certo, que dessa vez não consegui evitar meu próprio sorriso.
— Você é a mulher mais linda que eu já vi.
Meu corpo inteiro se arrepiou. Senti as penas das minhas asas se eriçarem, e era bom. Theliel era sincero, eu amava aquilo nas pessoas, e por isso tentava ser também. Ele era lindo, sincero, divertido e forte em muitos sentidos. Por que eu não conseguia parar de pensar na vez em que Azazel fora sincero comigo? Na forma como seus olhos brilharam, a confusão neles estampada.
— Mas... — Theliel disse, quebrando meus pensamentos— eu sei o que existe entre meu irmão e você. Sei também que Metatorn provavelmente está na jogada. Pensei que fosse encontrar um poço de escuridão nos olhos do meu irmão, mas você tirou isso dele.
— E como sabe que fui eu, Theliel? Como sabe que foi por minha causa?
Aquele foi seu último sorriso do dia, pelo menos pra mim. Porque ele me olhou tão profundamente nos olhos, que quase senti sua alma tocar a minha.
— Porque é isso que você faz Sophia. Você é luz. Tirou a escuridão de mim, de Azazel, e provavelmente fará o mesmo com Abbadon.
Só pude torcer para que tudo aquilo fosse verdade.
Os dias se passarem, e passá-los com Theliel e Azazel foi no mínimo... interessante. Metatorn caiu em um sono profundo devido a alguns medicamentos de Gandallia, que fariam sua dor passar. Uma cicatriz grossa se exibia de fora a fora por suas costelas, mas elas já não estavam tão elevadas. Quando o barco atracou, eu já sabia muito mais sobre todos. Especialmente sobre Azazel, pelos segredos que o irmão vazava. Foi tão divertido rir das reações de indignação de Azazel, que por um tempo, até me esqueci de que éramos os últimos sacrifícios vivos.
— Espera, não é meeeedo medo sabe? É só um certo receio.
— Olha o seu tamanho Azazel! — as palavras quase não saiam claramente da minha boca, por causa das risadas— Você tem medo de insetos! E pássaros! Espera espera...— me abaixei sobre os joelhos para tomar fôlego.— Tem medo de joaninhas e borboletas também?
— NÃO É MEDO!
Azazel explodiu, fazendo com que uma onda de risadas fossem arrancadas de nossos pulmões. Tive que me apoiar em Theliel para não cair de cara no convés, de tanta força que as gargalhadas me arrancavam.
— Diga isso para a garota que você quase esmagou, fugindo daquela mariposa inofensiva.
A indignação de Azazel era tão hilária, que na risada seguinte, meu nariz roncou. Fiquei esperando algum comentário irônico dos garotos, mas eles não pareceram notar. Subimos para a camionete que nos levaria de volta à base, e lá se foram mais algumas horas do dia. Eu estava impossivelmente cansada, apenas de arregalar os olhos para os relatos de Theliel e Azazel, exausta pela forma como Abbadon olhava para Metatorn. Como ele evitava me encarar. Depois de vinte minutos de carro, o sono me venceu. E eu senti minha cabeça pender para o lado, na direção de Azazel. Eu estava cansada demais para lutar contra isso, então me deixei apoiar nele. E ele pelo visto, também. De alguma forma estranha... me lembrou nosso beijo, quando o reconheci como lar. Em meio a correntes elétricas que transpassavam nossos corpos, eu adormeci.