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Bab 3 .

Aqueles eram os momentos mais chatos da minha vida.
Quando eu tinha onze anos, quebrei o nariz de um garoto por ele ter empurrado minha irmã. No condomínio onde vivíamos aquele tipo de comportamento era inaceitável, então meus pais me colocaram em um terapeuta, porque isso era mais fácil do que se sentar comigo e ter uma conversa como pais normais. Margarett chorou pra eles me deixarem sair de casa novamente, mas o castigo se estendeu por dois meses. Durante aqueles meses enfadonhos, eu vi minha irmã saindo com meus melhores amigos porque eu não podia. Mas ao contrário do que pensei, a vida normal voltou, mas meus amigos não esperavam por mim. Não como antes.
E ali estava eu, sentado em uma poltrona negra de couro, com uma bela moça na minha frente, pele e cabelos castanhos, olhos escuros fixos em mim. Eu queria gritar. Queria sair correndo e gritar com meus pais por terem me colocado naquela situação. Aquele prédio era uma espécie de programa anti depressivo, para que pessoas destinadas a morte pudessem ser felizes em seus últimos dias. Devo admitir que a ideia é boa e gentil, mas definitivamente me irritava muito.
— O que mais te irrita nessa situação?
A bela moça insistia em perguntar, a prancheta apoiada no colo e os olhos atentos em minha direção. Minha vontade? Ah, vocês já sabem. Eu queria bancar o ogro das cavernas e simplesmente sair dali sem responder, mas precisava dar a ela uma resposta, mesmo que fosse pra desviar do assunto.
— Nada te irrita nesse lugar?
A mulher ergueu uma das sobrancelhas. Mal sabia ela, que se eu lidei com Margarett durante a TPM, poderia lidar com literalmente qualquer coisa. Me mantive ereto no sofá, o tornozelo apoiado no joelho e a expressão limpa. A posição que costumava deixar os outros desconfortáveis.
— Vamos falar sobre mim?
Continuei com o contato olhos nos olhos, esperando qualquer coisa humana daquela mulher que se fingia um robô. Ela se sentava completamente ereta, o cabelo castanho preso em um rabo perfeito, a prancheta no colo e as mãos unidas acima dela. Parecia uma pintura entediante.
— Podemos falar sobre qualquer coisa, menos sobre mim. — Eu disse calmamente. — Não vou te dar material pra me concertar.
A expressão dela se manteve impassível. Seus olhos não se estreitaram, o corpo não se moveu um centímetro.
— Por que acha que precisa ser concertado.
Mas que droga. Psicólogos e suas deturpações de palavras... quis gritar novamente, mas apenas pisquei.
— Todos aqui estão quebrados de alguma forma. Meus pais me enviaram por isso.
Céus aquela mulher não iria acabar com aquilo nunca? Não havia relógio na sala. E eu era educado o suficiente para não pegar meu celular ali no meio, e conferir quanto tempo faltava para eu sair daquela sala sufocante. Finalmente comecei a entender porquê minha irmã odiava tanto lugares fechados.
— Todos. — Ela repetiu. — Mas você admite que está quebrado então? Sabe que tinha a opção de ficar não é mesmo?
A mulher havia lido a ficha da minha vida? Como diabos ela tinha acesso a essa informação.
— Por que está aqui Matheus?
Cerrei as mãos em punhos, tentando manter o mínimo de paciência em meio a aquelas perguntas pessoais extremamente invasivas.
— Ora, não é óbvio? Porque estou doente.
A mulher inclinou a cabeça levemente, as sobrancelhas franzidas no rosto.
— Então por que não parece doente?
Soltei uma risada fraca.
— Porque com AIDS, quando você parece doente significa que já está morto.
A mulher se calou. Mas nenhum tipo de emoção se manifestou em suas pupilas quando disse:
— Sinto muito.
Mas eu mal ouvi. Estava ocupado demais dando passos largos até a porta, determinado a nunca mais voltar para aquela sala ridícula. A mulher chamou meu nome atrás de mim, mas eu ignorei. Girei a maçaneta e sai corredor agora, arfando o máximo em meus pulmões para não permitir que aquilo me perfurasse profundamente. A forma como ela me olhou.
Quando descobri a doença, eu sabia. Eu sabia que receberia esses olhares de pena e dó por todos os lados, sabia que não teria um resto de vida livre disso. Sempre odiei que me vissem vulnerável, e estar doente era praticamente estar vulnerável durante todo o tempo. Mas minha irmã... ela parecia vulnerável sempre. Abria o seu coração todo o tempo para nós, indiferente com a possibilidade de machucarmos ele. Ela não se importou nem mesmo quando eu o fiz.
Cheguei ao meu quarto, e fechei a porta atrás de mim. Uma bandeja com alguns remédios me esperava ao lado da cama, os quais eu engoli de uma vez. Apoiei as costas contra a parede dura, sentindo sua firmeza para não desabar. Era assim. Por toda a minha vida fui assim. Odiava essa parte de mim, a parte que sentia saudades, medo e dor. Odiava não ser o Matheus forte e irritado, que quebrava tudo ao invés de quebrar a si mesmo. Na maioria do tempo, eu conseguia fingir. Na maioria das vezes, conseguia sufocar o gosto de desespero na língua até chegar no meu próprio quarto. Mas naquele dia não.
Daniel tinha me avisado que buscaria Margarett na escola, enquanto eu esperava com a bunda colada naquela maca insuportável. Olhei ao redor no quarto do hospital, tentando não pensar no que eu iria dizer quando todos chegassem. Pedro e Antoni chegaram juntos, rindo e me zoando, perguntando se eu estava esperando por um exame de gravidez. Não consegui rir da piada, mas também não consegui xingar eles de volta. Foi pura sorte que eles não percebessem naquele exato momento. Mas então ela chegou. Minha irmã arfava como se tivesse corrido uma maratona, alguns fios finos do cabelo castanho grudados não testa suada. Daniel parecia preocupado também, mas nem de longe da forma como Margarett estava. Foi nesse momento que Pedro e Toni se deram conta da gravidade do assunto, de quão sério poderia ser. Depois que contei a eles, o olhar de todos mudou. Vi pena em abundância, o que quase me tirou do sério. Pena nos olhares de todos menos nos olhos dela. Os dela... transmitiam uma dor profunda e agonizante, mas ao mesmo tempo cheia de convicção, como se ele estivesse determinada a morrer também.
Abri os olhos para o quarto branco, percebendo o quão sem graça era a falta de cor. Caminhei até a cama e me joguei nela, impressionado por não ter cedido ao meu peso. Era realmente fraca. Então fechei os olhos e tentei relaxar, deixando todo e qualquer pensamento que não fosse bom se esvair. Tentei apagar Margarett, e sua relação com meu melhor amigo o quanto antes. Tentei apagar a raiva, o ódio, a fúria desnecessária que corria por minhas veias. Mas só consegui ficar mais irritado. Eu queria gritar, queria brigar, socar alguém. Mas só me calei. Incapaz de calar minha mente, abri meus ouvidos.
A voz.
A voz doce e suave com o canto, que ecoava pela janela, vinda do pátio preencheu meus ouvidos. Senti todo o meu corpo se arrepiar, da nuca até o dedão do pé. Continuei de olhos fechados, atento, sentindo cada centímetro de mim responder àquela pequena vibração de doçura. Era como quando eu me sentava perto do piano para escutar Margarett tocar. Mas melhor. A voz impossivelmente afinada, como um instrumento capaz de hipnotizar o mais forte dos homens. Me vi abrindo os olhos, e correndo até o parapeito da janela. Mas dessa vez, o pátio estava vazio.

Komentar Buku (2154)

  • avatar
    MesiasManoel

    otimo

    2d

      0
  • avatar
    Marcella Rocha

    top

    3d

      0
  • avatar
    ResenoKaue

    muito bom

    8d

      0
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