Confiei na inteligência de Theliel quando concordei em deixar meu pai e o bebê na cidade mais próxima. "Não vão nos procurar bem debaixo do nariz deles", ele disse. O resto das pessoas também pareceu concordar. Gandallia parecia cada vez mais suportável, gentil e... amiga. Era nítido o apoio que ela dava a Cassiade e Abbadon, provavelmente os dois mais abalados com o sequestro de Ana. Eu e Metatorn acompanhamos meu pai até a cidade em que ele ficaria, mas mal entramos. Gastamos apenas alguns segundos longe do grupo, temendo que aquilo pudesse de fato se tornar permanente. Eu havia ficado tempo o suficiente longe de Theliel, não precisava de uma segunda dose. Por isso, me despedi do bebezinho, e corri para a floresta, com Metatorn em meu encalço.
— Quando eu era mais novo, minha mãe costumava me dizer que meus olhos combinavam com a natureza.
Atravessamos pela parte mais cheia da floresta, onde as árvores eram tantas, que cobriam nossa presença. Pisávamos com cuidado, mas rápido o suficiente para chegarmos até o grupo antes da metade do dia.
— Eles brilham. — Comentei — Sempre os vi como duas esmeraldas.
Ao passar pelas folhas secas, nossos passos ecoavam mais forte no ar. Mas os sons da floresta os encobriam, com passos de outros animais, pássaros ou outras criaturas. Encolhi mais as asas para que não se arrastassem ao chão.
— Os seus também. E não só os olhos. Eu pensei que fosse louco quando pensei sobre isso uma vez. Mas vi como as pessoas olham pra você. E é como... se você brilhasse.
Eu queria perguntar a ele, o que exatamente queria dizer com aquilo. Já havia me dito uma vez, mas nunca me explicado realmente. Mas assim que abri a boca, chegamos ao local onde os outros nos esperavam. O assunto morreu conforme Theliel nos explicava a rota, e as armadilhas que montaríamos até a chegada.
— Vai ser uma viagem longa, temos uma semana. Sem pressa. Vamos caminhar durante a manhã, caçar durante a tarde e montar acampamento de noite. Depois das montanhas as pequenas bases são escassas, então vamos precisar carregar mais peso. Tentar não gastar provisões é importante, mesmo depois de quebrar a maldição ainda seremos fugitivos.
Cassiade juntava as peças na mente para criar argumentos sólidos. Azazel e Gandallia tentavam entender, ao passo que eu, Metatorn e Abbadon apenas admirávamos os dois garotos.
— No livro diz, que o processo de crescimento das asas não é rápido. Ao contrário da injeção que foi feita no seu mês — Cass apontou em minha direção— , naturalmente o processo de crescimento é lento. Além do mais, o rei atual continuará no poder por um tempo.
Um riacho extenso começava em nossa frente, mas Theliel havia previsto isso. Agradeci ao verão quando a água subiu até minha cintura, fui ainda mais grata pelo corpo firme de Theliel me dando apoio quando quase caí em uma das pedras lisas. Me lembrei de minhas pernas trincadas, e um arrepio me invadiu. Theliel me curou...
— E quem assumiria o trono depois? Não podemos deixá-lo para Uriel.— Perguntei.
Meu irmão, que já estava do outro lado do rio estendendo a mão para Cassiade, ergueu os olhos para a conversa e opinou.
— Precisa ser um de nós. Um dos herdeiros do rei original. — Metatorn comentou.
Azazel pulou para a margem e começou a chacoalhar as penas, com um cuidado evidente. Gandallia recusou a ajuda de meu irmão e escalou o barro da borda, ao contrário de Metatorn. Quando eu estava chegando perto de estender minha mão para pedir por ajuda, senti mãos firmes em minha cintura. Um arrepio me percorreu, conforme Theliel me erguia, a vontade de permanecer no lago era imensa. Mas em um pulo ele me alcançou, e o calor voltou ao meu corpo quando me deu um beijo na bochecha. Foi a melhor parte do meu dia.
— Certo, mas qual de nós? — Abbadon pergunta.
— Avaliemos.— Comentei.
Cassiade coçou o queixo, e pensou. Em meio ao silêncio de nossas vozes os sons de passos ecoavam, avançávamos, e Cassiade pensava.
— Abbadon é carismático, Theliel é inteligente. Azazel passa confiança e segurança, Metatorn é cativante, e Sophia...
A voz de Cassiade parou por um instante, mas nossa caminhada não. O sol quase atingia o meio do céu, nos indicando o horário de procurar uma pequena base. A curiosidade me corroía, depois dos minutos que Cass ficou calado, finalmente concluiu:
— Você é luz. Você é tudo isso Sophia.
Uma emoção estranha tomou conta de mim. Senti minhas bochechas coragem quando absolutamente todos concordaram. O que aquilo significava? Quantas vezes haviam me chamado de luz?
— É a terceira vez que me dizem isso. O que necessariamente significa?
Meus amigos se entreolharam, confusos. O sol atingiu o meio do céu, avisando sobre o meio-dia. Paramos em uma pequena clareira para montar nosso almoço, Azazel avisou que iria averiguar o perímetro, e assim minha explicação ficou para depois. Gandallia se empoleirou em uma árvore, meu irmão se deitou na grama. Cassiade começou a tirar as latas da mochila com Theliel, e de repente parecíamos pessoas normais. Não fugitivos, ou pessoas provavelmente ameaçadas de morte. Apenas sete amigos no meio do mato.
— É engraçado como nossa vida pode mudar de uma hora para a outra.
Debaixo do balanço das folhas, Theliel se sentou. Recostado em um tronco, ele me fitava com diversão nos olhos, um sorriso aparecendo nos lábios. Me aproximei e me sentei ao seu lado. Ele apoiou a mão no chão, e com a outra me puxou pela cintura, para mais perto. Me enchi de borboletas no estômago, a cada centímetro que meu nariz se aproximava do dele. Sorri involuntariamente quando ele me apoiou contra seu peito, me fechando em um abraço. Olhei ao redor, para a interação de todos. Pareciam felizes, apesar do mal eminente que enfrentaríamos. Percebi que amava cada um deles, de uma forma diferente. Até mesmo Gandallia, que havia salvado a vida de Metatorn naquele pequeno barco, até ela faria falta. Mas me lembrei do homem que no momento me segurava em seus braços.
— Theliel?
Ele murmurou em resposta à minha pergunta, fazendo meu corpo todo tremer. Entrelacei seus dedos aos meus, sentindo a emoção tomar conta de cada pedaço de mim.
— Não me deixe nunca. Por favor.