Eu sentia o aroma delicioso da comida que se espalhava pela sala de jantar, fazendo o meu estômago roncar de fome.
 Charles era um mestre na cozinha, sempre me surpreendia com as suas receitas variadas e saborosas.
 Ele colocou no meu prato uma generosa porção de carne assada com um molho de vinho, que combinava perfeitamente com as batatas gratinadas e a salada verde.
 Eu agradeci com um sorriso sincero e comecei a comer, saboreando cada pedaço.
- E aí, como foi o dia na escola hoje?
 - ele perguntou, tentando puxar assunto.
Eu olhei para ele, hesitante.
 Eu não sabia se devia contar sobre Amon, o garoto novo que tinha chegado na minha turma.
 Ele era bonito e misterioso, mas também me deixava nervosa.
 Ele não tirava os olhos de mim, como se soubesse de algum segredo meu.
 Ele se aproximava de mim com uma confiança que me intimidava.
 Eu não fazia ideia do que ele queria comigo, mas eu tinha medo de descobrir.
- Ah, nada de mais - eu respondi, desviando o olhar.
 - A Alice me convidou para ir ao cinema com ela no sábado.
- Que legal!
 A Alice é uma ótima amiga, não é?
 Eu adorei ela quando você a trouxe aqui naquele dia.
 Ela é inteligente e divertida.
Eu assenti, lembrando-me daquele dia.
 Eu e Alice tínhamos ido ao cinema ver um filme de terror que era tão ruim que era bom.
 Nós rimos das cenas ridículas e gritamos com os sustos baratos.
 Depois nós fomos para a casa de Charles, que nos recebeu com um bolo de chocolate e refrigerante.
 Nós ficamos conversando até tarde da noite, compartilhando histórias e piadas.
 Alice ficou encantada com Charles, disse que ele era o melhor irmão mais velho do mundo.
 Ela tinha razão.
Nós continuamos a conversar sobre coisas banais, evitando assuntos mais sérios.
 Charles me contou sobre o seu novo emprego na escola infantil, onde ele ensinava e brincava com crianças pequenas.
 Ele tinha um dom para lidar com crianças, era bondoso e paciente.
 Ele me mostrou algumas fotos dos seus alunos, todos alegres e simpáticos.
 Eu fiquei feliz por ele, sabendo que ele estava realizando o seu sonho.
Eu sabia que Charles sempre quis trabalhar com crianças, mas ele adiou esse sonho por minha causa.
 Ele se preocupava que eu me sentisse sozinha ou ciumenta se ele desse atenção a outras crianças além de mim.
 Ele sabia que eu tinha sofrido muito na vida, que eu tinha sido rejeitada e maltratada por muitas pessoas que deveriam me amar e cuidar de mim.
 Ele sabia que eu tinha cicatrizes profundas, que eu tinha dificuldade de confiar nas pessoas, que eu tinha medo de perder o que eu tinha.
 Mas eu não me importava com isso mais, agora eu sabia que Charles me amava como uma filha, que ele nunca me deixaria ou me magoaria como os outros fizeram antes.
 Ele me provou isso muitas vezes, com suas palavras e seus gestos.
Eu o conheci quando eu tinha apenas oito anos, numa noite escura e chuvosa.
 Eu estava fugindo de um lugar horrível, onde eu era tratada como lixo todos os dias.
 Eu não tinha para onde ir, nem ninguém que me quisesse.
 Eu estava perdida e assustada nas ruas da cidade quando o demônio me encontrou e me levou para perto da casa de Charles.
 Ele me mandou esperar em frente a uma casa até que alguém saísse, mas quando ninguém saiu eu resolvi sair de lá e andar pela rua.
 Foi aí que eu vi Charles, caminhando com uma mochila nas costas.
 Eu o reconheci pelo desenho que o demônio tinha feito dele.
 Ele parecia cansado e triste, mas também gentil e bondoso.
 Eu o segui por um tempo, até que ele percebeu a minha presença e se virou para mim.
- Oi, quem é você?
 - ele perguntou, surpreso.
- Eu me chamo Nabi.
 - eu respondi, com a voz baixa.
- E os seus pais estão onde?
 - ele perguntou, com curiosidade.
- Eu não tenho pais.
 - eu respondi, com a voz tremendo.
- Você mora onde?
 - ele perguntou, com compaixão.
- Em lugar nenhum.
 - eu respondi, com os olhos cheios de lágrimas.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, olhando para mim com pena.
 Ele viu as minhas roupas sujas e rasgadas, e o meu corpo magro.
 Ele percebeu que eu era uma criança sem ninguém.
 Ele me pegou pela mão e me levou para a casa dele.
 Ele me deu um banho, uma roupa limpa e uma cama macia para dormir.
 Naquela noite ele me abraçou e me disse que tudo ia ficar bem.
 Charles foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida e por um tempo tive medo que com o tempo ele também me deixasse, ou fosse cruel comigo, mas depois de tudo que ele fez e passou por mim agora eu tinha certeza que ele nunca me deixaria ou me machucaria como os outros fizeram antes.
 Eu seria a única a lhe trazer dor um dia.